GUIDO MANTEGA E O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
Por Paulo Rubem Santiago
Até quando o Brasil vai conviver com autoridades das áreas de economia, finanças e planejamento capazes de afirmar que a realização de investimentos corajosos em educação pode quebrar o país
Na última quarta-feira, dia 4 de julho, opiniões dessa natureza foram ouvidas quando o Ministro Guido Mantega, em exposição na sede da Federação das Indústrias de São Paulo, afirmou que a aprovação da meta de financiamento de 10% do PIB para a educação nos próximos dez anos quebraria as contas públicas, considerando-a intempestiva. Ao mesmo tempo também declarou que a aprovação do Plano Nacional de Educação, no atual contexto, pode colocar em risco o equilíbrio fiscal do país. Hoje, no Brasil, são investidos 5,1% do PIB em educação e a união federal entra com, apenas, 0.97% nesse total.
Não há como negar. As palavras de Mantega renovam o lastimável e reprovável viés conservador das nossas autoridades econômicas que sempre entenderam a aplicação de recursos públicos em educação como uma modalidade de gasto (grosseiramente falando) e não como investimento. Mais ainda, as opiniões de Mantega o inscrevem no rol daqueles para os quais o Estado pode subsidiar crédito às empresas, desonerar-lhes tributos e contribuições, oferecer generosos parcelamentos de dívidas tributárias, ampliar desmesuradamente a dívida em papéis do tesouro, sem que se explique, respectivamente, quem banca esses subsídios, como compensá-la e de onde sairão as receitas para o pagamento dos encargos da dívida pública, elevada sem o respeito às normas constitucionais da regulamentação de seu teto . Para o andar de cima da economia tudo é necessário, em nome do crescimento do PIB, da competitividade e de outras razões menos transparentes. Já para as metas sociais...
Com seu discurso atrasado Guido Mantega revela desconhecer o país de cujo governo é o todo poderoso Ministro da Fazenda há oito anos. Desconhece a fragilidade do acesso às creches, os vários brasis espalhados entre os mais pobres, entre os que vivem nas zonas rurais, aqueles de origem negra, brasileiros do norte e nordeste. Desconhece o salário dos profissionais da educação no país, a precariedade do fluxo escolar no ensino fundamental, o elevado analfabetismo e o inexplicável analfabetismo funcional. Faz vista grossa à violência contra jovens e adolescentes excluídos do ensino médio, não se importa com a baixa taxa de escolaridade de nossa população e o diminuto percentual de nosso acesso ao ensino superior, bem como com os indicadores insuficientes de educação profissional e tecnológica e de formação de mestres e doutores.
A recente aprovação, em Comissão Especial na Câmara dos Deputados, do projeto de Lei do Plano Nacional de Educação 2013-2022 e, em seu contexto, da meta de financiamento, de 10% do PIB para esse período, por emenda de minha autoria como destaque da bancada do PDT, representa, em definitivo, a chance de sairmos do atraso e dos maus indicadores educacionais apresentados pelo país em plena segunda década do século XXI. Tais conquistas estão fundamentadas na adoção dos padrões de qualidade definidos pela Constituição Federal de 1988, agora expressos através do Custo Aluno Qualidade inicial, CAQi. Foram também antecedidas, durante mais de um ano de trabalho, por inúmeras audiências públicas com pesquisadores em financiamento da educação, institutos de estudos e formulação de políticas públicas no segmento, entidades sindicais da educação básica e do ensino superior, UNE e UBES,associações de formação de professores, de pesquisa e pós-graduação em educação,de financiamento e de políticas em administração da educação, conselhos de gestores municipais e estaduais. Além disso, foram de extrema riqueza, para a versão final do Relatório aprovado, as contribuições técnicas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, dos pesquisadores e do presidente do Ipea, o Economista Márcio Pochmann , do Movimento Todos pela Educação e do Professor Dr. José Marcelino Resende, da USP de Ribeirão Preto, reconhecido e respeitado como um de nossos grandes estudiosos na área de financiamento da educação.
Por isso as declarações do Ministro da Fazenda Guido Mantega são lastimáveis, retrógradas, um atentado à seriedade com que assessores e parlamentares da Comissão Especial do PNE trabalharam pela sua construção e aprovação. Intempestivas são suas considerações, reflexo de seu desconhecimento sobre a matéria e da prevalência da eterna miopia de nossos gestores, nada republicanos, colocando a educação em plano inferior e uma pretensa e eterna responsabilidade fiscal e macroeconômica em plano eternamente superior na escala de prioridades no país.
O que quebra as contas públicas do país é a soma das consequências da ignorância, da sonegação, da corrupção e da supremacia dos interesses do mercado financeiro nas contas nacionais com a elevada parcela de gastos com juros da dívida pública. O que deprime as contas do país são as graciosas e aleatórias desonerações tributárias a favor das diferentes expressões do capital, decididas num piscar de olhos, sem compensações nem auditorias.
Por essa razão repudio as declarações do Sr.Ministro da Fazenda (ou talvez seja das fazendas, dos latifúndios e do atraso, que nunca precisaram de educação de qualidade para alavancarem seus negócios seculares ) Guido Mantega.
O PDT, como já declarou o Líder, Deputado Federal André Figueiredo (PDT-CE), não assinará recurso algum para se levar ao plenário da Câmara Federal (com o intuito de revertê-la) a meta de financiamento aprovada, dos 10% do PIB. Apelamos para os demais líderes com parlamentares presentes na Comissão Especial do PNE para que façam o mesmo. Assim o Relatório Final do Plano aprovado na Comissão Especial seguirá direto para o Senado, onde esperamos seja também aprovado e levado à sanção presidencial. Nessa etapa, temos certeza que a Presidenta Dilma assinará a Lei do novo PNE sem vetos. Em respeito ao Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932, em memória de Fernando Azevedo, Lourenço Filho, Cecília Meireles, João Calmon, Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Florestan Fernandes e Paulo Freire. Pela educação que o país exige e pelo direito à educação pública de qualidade.
*Paulo Rubem Santiago
Professor da UFPE, Deputado Federal PDT-PE;
Autor do Destaque da bancada do PDT pelos 10% do PIB para a educação, aprovado na Comissão Especial do PNE;
Titular da Comissão de Educação e Cultura e da Comissão Especial do PNE;
Líder da bancada do PDT na Comissão Mista de Orçamento, Planos e Fiscalização do Congresso Nacional;
Ex-Vice-Presidente da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara Federal;
Autor da proposta aprovada pela criação da Sub-Comissão Permanente de Investigação do Financiamento da Educação no Brasil, na Comissão de Educação e Cultura em junho de 2012;